Estou eu em casa, quando de repente toca o sinal do celular, havia chegado uma mensagem. Há alguns dias, meu amigo Daniel Andrade e eu estávamos cogitando a ida para Caxias do Sul a fim de ver o jogo do Fluminense contra o Juventude pela Copa do Brasil. Cabe a nós, tricolores exilados na ponta sul do país, fazer alguns sacrifícios, de vez em quando, para ver ao vivo o time de coração. Ao ler a mensagem, fiquei, feliz: ?Fechado?, dizia o Daniel, e o que é melhor, um outro tricolor, o Rodrigo Almeida, iria junto.



Prontamente, peguei uma grande bandeira (de 3 panos) do Fluminense, que, num momento de compulsão, encomendei via Internet (compulsão que se mostrou pelo fato de que a bandeira jamais havia saído aqui de casa desde que eu a havia comprado), mais uma outra bandeira, um pouco menor, que eu mandei fazer em 1997, numa costureira aqui de Porto Alegre (e que até então não tinha muita utilidade), mais uma bandeira ?Máquina Tricolor?, dessas que se compra dos ambulantes no Maracanã, e que me pertencia desde aquela inesquecível Páscoa na qual presenciei Flu 3 x 3 Vasco. Com todos os panos, vou à sapataria mais próxima e peço para o sapateiro colocar 4 ilhós em cada bandeira. Pra quem não sabe, ilhó é aquela argolinha que serve pra amarrar a corda na faixa. Depois, passei numa ferragem e comprei 5 metros de corda branca de náilon. Estava produzido o efeito visual que jamais o Fluminense tivera em jogos realizados na cidade de Caxias.



Estive lá em 2002, a Young Flu também. Poucos integrantes, uma faixa. Algo me dizia que eles não viriam em 2004. Infelizmente, o Fluminense joga sem apoio aqui no Rio Grande do Sul. É a cultura, é a distância, sei lá...



Chega a 4ª feira e, depois de negociar muito bem um ?hábeas corpus? com a minha namorada, marco de me encontrar com o pessoal no bairro Petrópolis, na frente da casa do Rodrigo Almeida, que até então eu só conhecia via Sempreflu. Como meu carro tinha problemas no motor, o Rodrigo ofereceu o dele. Tinha placa do Rio de Janeiro, o que poderia ser um problema, mas, enfim, acabou não sendo.



Logo depois que eu cheguei, apareceu o Daniel com uma camiseta verde, escrita 100% Tricolor, e o Rodrigo, com uma camisa lendária, do Agnaldo, nº26, se não me engano. Eu fui de laranjão, mesmo. Pegamos uma certa tranqueira na saída de Porto Alegre, pois muita gente usa a BR-116 para se dirigir para outras cidades da Região metropolitana, especialmente Canoas, Esteio, São Leopoldo e Novo Hamburgo. Perdemos algum tempo ali, mas depois a estrada estava tranqüila, e só paramos rapidamente num posto em Nova Petrópolis, todos de tricolor, mostrando ao povo serrano que o Flu estaria por perto naquela noite. Pouco depois, estávamos em Caxias do Sul. No caminho, um clima de nostalgia recente, muito papo sobre o Fluminense e seus jogos dos últimos anos. É claro que o Daniel e o Rodrigo, por terem morado no Rio, tinham mais conteúdo a acrescentar.



Chegando em Caxias do Sul, fomos até o Centro da cidade, onde fica o estádio Alfredo Jaconi. Não é difícil de chegar no campo, porém, resolvemos perguntar para uma transeunte na Rua Júlio de Castilhos qual o melhor caminho. Com o inconfundível sotaque caxiense, a senhora disse: ?somos rivais, mas eu estou indo pra lá?. Dissemos: ?entra aí, então?, e demos uma carona em troca das orientações. Chegamos, assim, à quadra do Juventude, e estacionamos. Ao descer do carro, a surpresa. Os 25º noturnos de Porto Alegre caíram a 16º em Caxias. O frio pegou legal a galera, mas, fazer o quê? O Daniel só se divertia conosco, pois estava com um abrigo novinho da Adidas. Deixamos nossa guia no portão da torcida do Ju, não sem antes ouvirmos xingamentos dos caxienses: ?tricolor ou Caxias??, ?caxiense secador!!?, ?segura a carteira que eles são do Rio!!?, ?volta pra favela!!?, e etc. Em esmagadora minoria, ignoramos solenemente e passamos reto pro portão destinado à torcida do Flu.



Chegando na arquibancada, encontrei a tradicional ?meia dúzia de gatos pingados? que compõem a torcida tricolor nos jogos do Fluminense no RS, reforçada pelos incansáveis torcedores do Caxias, sempre presentes. Estava amarrando minhas faixas na grade, quando ouvi um grito: ?Esbroglio!!? Me virei e lá estava um amigo meu que, a trabalho em Caxias, resolveu ir ao jogo com o colega tricolor. Infelizmente, no mesmo momento, o brigadiano presente pediu pra eu retirar as faixas, inapelavelmente. Não entendo isso... não obstruiria a visão de ninguém, não machucaria ninguém, mas o Brasil e, especialmente o Rio Grande do Sul, são cheios de ?não pode assim não pode aquilo?. Antes de me retirar da grade, ainda batemos um papo com o Danrlei, que aquecia ali perto, sob imensa vaia da torcida juventudista (certamente, eles lembram como era difícil superar o Danrlei no Grêmio). ?E aí, Danrlei, quando é que tu vais estrear?? O Danrlei respondeu: ?Só Deus sabe, galera, mas eu estou muito a fim, mal vejo a hora!!?. Então, o Danrlei acenou para um cara que estava na torcida do Flu: Adenor Bacchi, o Tite.



Peguei as bandeiras e amarrei num bar desativado lá em cima do barranco que fica atrás da arquibancada do Alfredo Jaconi. Não era nada perto do que eu planejava, mas enfim, com sorte, do outro lado do campo o time veria as 3 cores. E quando eu estava amarrando, ouço um ?uuuh?, seguido de um ?aaaaaaaahhhhhhhhh?, Juventude 1x0.



Não vi o Fernando Henrique tomar o gol, apenas vi que foi um lance truncado na pequena área tricolor, bem diante da nossa torcida (na verdade, estávamos mais para o canto direito). Em seguida, a pequena torcida do Ju cantava o nome do ídolo deles: ?Michel, Michel?, logo pensei... ?será que viemos até aqui pra perder??? Mas o Fluminense não se acovardou, pelo contrário. Os esforçados Roger e Júnior César levavam o time para frente. Odvan salvava as coisas na defesa, ajudado pela má pontaria dos atacantes do Ju. Nesse momento, eu disse pro Rodrigo: ?cara, 1x1, aqui, é vitória, em se tratando de Copa do Brasil?. Minutos depois, o jogador Mineiro, do Ju, acabou expulso, e, em seguida, o gol do Marcelo. A impressão que eu tinha, naquela hora, era a de que o Fluminense poderia vencer com folga o jogo, talvez, até, evitando o jogo no Rio de Janeiro. Mas o FH ainda teve sua parcela de participação na 1ª etapa, e, depois dos 40 minutos, eu queria mais que o jogo fosse logo pro intervalo, para que o Ricardo Gomes reposicionasse o Fluminense de forma mais agressiva, aproveitando a vantagem numérica. Jogando em casa, com um resultado trágico, o Juventude iria se abrir... e foi pensando nisso que eu vi a bomba do Roger voltar em direção do Marcelo. Quando vi a bola subir, pensei: ?ih, será que vai fora??, mas não, Fluminense, 2x1. Quando Rodolfo e Michel foram expulsos, comentei com o pessoal que tínhamos feito um bom negócio, pois o Michel é um jogador muito talentoso.



A essa altura, Tite ouvia todo tipo de xingamento por parte dos torcedores do Juventude, que o reconheceram e não perdoaram.



Durante aqueles primeiros minutos da segunda etapa, senti o Fluminense um pouco retraído. Como comentou o Rodrigo, espaços se abriram nas duas equipes, e o Juventude aproveitou-se de um ímpeto maior, no começo, pra agredir o Fluminense, que respondia em rápidos contra-ataques, melhor com Roger, menos bons com Ramón. Porém, foi o Juventude quem assinalou no 2º tempo. Aos 10 minutos, não acreditei quando vi o FH rebatendo a bola justamente nos pés do Gêufer, que não perdoou. Mas o 2x2 ainda era nosso. Porém, queríamos a vitória, e quando o Ramón entrou pela esquerda na pequena área do Ju, pensei que íamos!! No rebote, o Ramón, sem ângulo, mandou fraco. Depois disso, tivemos mais duas chances, uma com o Leonardo, que não vinha bem no jogo, e outra com o Roger, que foi uma matada no peito no meio da área e um chute no goleiro. O Juventude também ameaçou, mas suas bolas, invariavelmente, terminavam nas arquibancadas dos juventudistas, para nossa sorte. No finalzinho, mais um desfalque de última hora pro Juventude no jogo de volta... Evandro foi expulso. E então o jogo terminou com um placar respeitável pra quem sabe jogar com o regulamento embaixo do braço.



Quando íamos saindo, um ?Hooligan? tricolor puxava a maior discussão com uns juventudistas que estavam perto das grades. O hooligan, inclusive, chegou a escalar a grade, acho que ele queria invadir a torcida do Juventude, sei lá, não ficamos pra ver o fim do episódio. Estava frio e era tarde, e a BR-116 nos esperava. Saímos tranqüilamente com nossas camisas tricolores pela rua que dá acesso à torcida adversária no Jaconi e, devido a um bloqueio da polícia, tivemos que dar uma volta mais longa pra chegar onde o carro do Rodrigo estava estacionado. O guardador, um gremista, ficou feliz com a gorjeta. Na maior tranqüilidade, voltamos pra Porto Alegre, terminando, assim, o 1º "evento" daquilo que podemos chamar de Flu Guaíba. Ou Flu Gaúcha, pois já nos correspondemos com alguns tricolores que estavam no Jaconi, e nem todos moram perto do Rio Guaíba...