O empate de 2 a 2 não foi péssimo, mas deixou um gosto amargo na boca. Pelo volume de investimentos da Unimed, pelo elenco, há pelo menos quatro anos o Fluminense teria que ser campeão de todos os estaduais e impor nos placares dos clássicos cariocas uma superioridade evidente.

Está na folha de pagamento, está nos nomes dos jogadores, está na classificação final dos campeonatos brasileiros: Desde 2001, o Fluminense é o melhor do Rio.

Por que, então, essa superioridade não fica patente em clássicos como o Fla-Flu deste domingo, 29 de janeiro? É evidente que temos mais time, que o planejamento de curto prazo do Flu é melhor, que os salários estão em dia, ao contrário deles, que não pagam nada desde novembro. Qual a razão do endurecimento das partidas, então? Vamos tentar analisar por partes, mesmo que superficialmente, começando pela partida deste domingo e pela semana que antecedeu ao Fla-Flu.

Em primeiro lugar, o time do Flu está longe de ficar pronto. Esteve desarrumado durante o Fla-Flu, com uma defesa em linha que permitiu os dois gols da mulambada. Ainda não é um time organizado, com um padrão tático.

Joga muito na base da experiência da maioria dos jogadores, como Pet, Rogério, Marcão, Pedrinho, Rogério, Roger. Ivo Wortmann ainda não mostrou serviço, não conseguiu dar um padrão tático e um estilo de jogo a este grupo de bons jogadores. E a mulambada jogou com uma disposição, um brio e uma vontade que só conseguem mostrar contra o Flu, ou eu momentos críticos.

O Flu, além da desorganização tática, esteve apático durante boa parte do jogo. Talvez seja pelo início de temporada, com jogadores ainda buscando seu espaço no time, ainda tentando um mínimo de organização tática e de melhor condição física e técnica.

Mas faltou vontade para liquidar o jogo, principalmente depois do gol de Tuta. Era o momento de #matar# a partida. Mas as jogadas não fluíram, o jogo do Flu esteve amarrado, lento, jogadores com pouco apetite nas divididas e pouca vontade de vitória.

É claro que temos maior potencial do que foi mostrado hoje, temos mais elenco e opções do que os mulambos, mas isso não serve de consolo: é apenas obrigação. O orçamento exige títulos e atuações para desmoralizar mídia e críticos.

Acho que jogadores como Pedrinho, Rogério, o próprio Pet, podem oferecer muito mais do que mostraram neste domingo. Claro que o Pet fez um gol de antologia e deu o passe para o gol do Tuta - enfim, foi decisivo.

É evidente, porém, que o nosso time não é tão bom quanto imaginamos. Os laterais têm deficiências, o Roger parece já em declínio físico e técnico. O zagueiro Thiago tem boa técnica, mas é lento. O goleiro Diego é bom, mas não tanto quanto imagina a maioria da torcida.

É possível armar um time forte e competitivo com os jogadores atuais, mas isso vai depender muito do Ivo # e será que o Ivo será capaz de cumprir essa tarefa? Faltam, claramente, um zagueiro de alto nível e um centro-avante daqueles indiscutíveis, top de linha. E falta o Arouca, claro.

Em apenas um tempo de jogo, Tuta mostrou que, apesar de fraco, é muito melhor do que o Adriano Magrão. Seu gol, aos 6 minutos, indicava que era o momento de "matar" o jogo, decidir a partida, com mais um ou dois gols. Mas veio a acomodação, a preguiça.

Estou convencido de que vamos ser bicampeões estaduais. Mas é pouco. O volume do investimento da Unimed já exigiria, pelo menos, que ganhássemos uma Copa do Brasil. Ou chegássemos a uma final de Sul-Americana.

Por que, com uma folha de pagamento tão alta e um bom planejamento de curto prazo, o Flu morre na praia, nem ao menos chega à Libertadores? Por que razão não emplacamos quatro vitórias seguidas neste fraquíssimo cariocão, e permitimos empates melancólicos contra times fraquíssimos como o Americano e a mulambada?

Temo cair no lugar comum das últimas crônicas de 2005. O Flu tem torcida, camisa, história e mística de clube grande, mas atualmente tem estrutura, ambição e prestígio de time médio.

Aliás, a estrutura do Flu é inferior à da maioria dos times médios brasileiros. Não parece à primeira vista, mas isso faz diferença e é bem óbvio para quem conhece um pouco de futebol, sua organização, seu planejamento, suas exigências modernas.

Leandro, por exemplo, ao que consta, rejeitou um salário de R$ 100 mil no Flu e foi ganhar bem menos no São Paulo. No Flu, era ídolo. No Morumbi, vai ser um a mais, vai ter que brigar para conseguir um espaço e nada garante que será um sucesso. Por que ele optou pelo São Paulo?

Consta que Ricardinho preferiu o Curintcha ao Flu, mesmo ganhando bem menos do que lhe oferecia a Unimed. A verdade é que o Flu está um patamar abaixo dos grandes paulistas, em organização, em estrutura de treinamento, em prestígio. Estamos atrás, inclusive, do Cruzeiro, é evidente.

Só teremos recuperada a nossa alma, a nossa identidade, o nosso status, quando acontecer exatamente o contrário: jogadores de prestígio passarem a preferir o Flu, mesmo para ganhar menos, por terem a certeza de que terão maior reconhecimento, disputarão os principais títulos, estarão mais próximos da seleção brasileira ou da Europa.

O orçamento da Unimed destinado ao Flu não pode servir como uma droga que atenua os efeitos de uma doença crônica e mortal. A morfina que alivia as dores do câncer, ou a cortisona que mascara os sofrimentos de diversas doenças, mas não cura. Viva a Unimed! Mas o Flu precisa fazer a sua parte.

Por enquanto, estamos conseguindo montar times competitivos, manter salários em dia, vencer cariocões. Mas há um projeto de longo prazo? Há uma visão, no Flu, do que será o futuro do futebol como negócio, há um trabalho de reorganização e planejamento, de saneamento financeiro e de reestruturação física, patrimonial, organizacional, técnica, financeira? Nosso presidente e nossa diretoria têm pelo menos uma vaga idéia do que seja o futebol profissional deste limiar do século 21? Não se tem notícias disso.

É bastante provável que passemos novamente pelo desgosto, pela suprema humilhação de ver o Parmêra, com um time abaixo de medíocre e muito inferior ao nosso, sair dez pontos atrás e, em cinco jogos, nos roubar uma vaga certíssima na Libertadores.

É por isso que somos obrigados a ler que o principal executivo da Adidas considera o ridículo Parmêra um #clube grande finalmente sob contrato#, nos desmoralizando, mesmo com uma ligação contratual que já dura quase dez anos.

É por isso que eles, da Adidas, assinam com os porcos um contrato superior ao que mantêm com o Flu. E é por isso que, mesmo com um time infinitamente superior, não conseguimos atropelar todos os outros cariocas com a facilidade que se anunciava no começo do campeonato; que não conseguimos atropelar o Paulista de Jundiaí na final da Copa do Brasil; que não conseguimos disputar uma Libertadores desde 1986.

É por isso que somos sistematicamente rejeitados por técnicos e jogadores de ponta, mesmo com a oferta de salários maiores. Precisamos resgatar o Fluminense. Separar o futebol profissional do clube social, acabar com o chamado "caixa único".

Neste domingo, vimos uma mulambada dando o máximo de si, correndo, agredindo, batendo. E um Flu burocrático, aplicado, mas sem alma, sem vontade. Claro que é um começo de temporada, não era uma disputa de título.

Precisamos ainda de um zagueiro central à altura do Flu e de um centro-avante indiscutível, de alto nível. E de ambição, de projetos, de planejamento a longo prazo. Estamos muito atrás dos grandes clubes brasileiros, e a pelo menos um século do que é o futebol profissional no mundo.

Fluminense 2 x 2 Flamengo: Diego; Rissut, Gabriel Santos, Thiago e Roger; Marcão, Rogério, Pedrinho (Ângelo) e Petkovic; Lenny(Evando) e Adriano Magrão (Tuta).
Gols: Petkovic, aos 18 minutos do primeiro tempo, e Tuta, aos 6 do segundo tempo.
Cartões amarelos: Marcão e Thiago.
Juiz: o péssimo e não-confiável Djalma Beltrami.

Cezar Motta - cezar_motta@uol.com.br