Fluminense 3 x 2 Coritiba - por Gustavo Dumas - 16/11/2003

Contrariado eu me apronto. Não desejava ir numa situação como esta. Mas, compromisso clubístico é compromisso clubístico. Seja um jogo decisivo por um título, seja um jogo decisivo para escapar de um vergonhoso quarto rebaixamento. E com que roupa? Tenho que optar pela camisa certa, isso é fundamental. A tricolor não está no meu armário. A laranja, então?! Ou a cinza, de treino, já meio gasta? Opto pela cinza velha de guerra, que esteve na campanha do título estadual de 95, ano em que chegamos também à semifinal do Campeonato Brasileiro.

Almoço uma comida meio chocha, que largo pela metade: o feijão, passado; o arroz é de geladeira; até o molho do filé de frango tá estranho. Escovo os dentes e saio.

Na rua, começo a me tocar de que tem jogo do Botafogo, pela Segunda Divisão, no mesmo horário, e que estou próximo do Estádio Mestre Ziza (Caio Martins). Carros passam buzinando, pessoas agitam bandeiras. As ruas de Niterói encontram-se preenchidas pela torcida do time da estrela solitária, o que não deixa de me causar um certo desconforto, eu ali, único tricolor entre tantos botafoguenses, eu perto da minha casa, eles perto da casa deles. Estamos em direções contrárias, mas que entretanto (batamos na madeira!) podem chegar num mesmo destino trágico - um permanecendo na segundona, o outro chegando para fazer companhia. Não, isso não deve nem pode acontecer.

Um sol danado. Algo no meu pé. Estaco o passo sem crer que possam ter me tacado um objeto qualquer. De fato não era isso, contudo talvez fosse pior: minha sandália arrebentara! Estou quase descalço, e já bastante próximo do ponto de ônibus e demasiado afastado de casa para retornar e trocar de calçado. Eu vou assim mesmo.

Passo pela concentração de uma torcida organizada do Botafogo. Seu nome, Fúria. Procuro não dirigir meus olhos até eles. Por respeito! Sabe-se lá!... Do meu lado da calçada, um batalhão da PM. Atravesso e chego ao ponto de ônibus. Vem uma van para o Maracanã. Vou nessa.

O ambiente dentro da van não podia ser melhor. Papos sobre o time, o jogo, entre íntimos tricolores recém-conhecidos. A viagem não doeu nada e o trânsito tava bom.

Estou no Maraca para um jogo cujo público encheria as Laranjeiras. Por que não levaram o jogo para o nosso estádio, então?! Simples: a Grobo não deixa. Vou ligar para um amigo. O telefone está no bolso esquerdo da bermuda. Ao menos deveria estar. Mas não. Eu perdi o telefone celular. Rememoro meu caminho até o estádio. Decerto entrei na van com o telefone. Decerto também que não abandonaria agora o estádio, de jeito nenhum, para sair catando o telefone perdido por aí. Já na arquibancada, uma amigo dos tempos "áureos" da Terceira Divisão me encontra - a gente sempre se encontra sem combinar antes. (Nas poucas vezes em que marcamos, deu zebra!)

Bom, o jogo, enfim. O adversário, Coritiba, é perigoso e está bem posicionado na tabela de classificação. A gente bota um pezinho na cova se perder. Entretanto, o Flu sai na frente, num pênalti que Romário desperdiça, mas a bola teimosa sobra (sempre sobra!) para ele empurrar para o fundo do barbante. Melhor, penso na hora, que terminasse assim. (Estava redondamente enganado.) Daí começa a pressão do melhor time em campo. Nosso goleiro vai fazendo alguns milagres. Mas Kléber não evita o empate, ao final do primeiro tempo: 1 a 1. Um placar até injusto diante da superioridade do time paranaense.

O segundo tempo começa prometendo sofrimentos para a torcida do Fluminense. O Coritiba pressiona muito, perde muitos gols, esbarra num dia inspiradíssimo de Kléber. Nosso lateral-esquerdo Jadilson faz uma bobagem e é expulso. O óbvio se desenha. Coritiba 2 a 1, e com cara de mais. A torcida tanta animar o time. Grita o hino. Pede a benção costumeira. O jogo vai chegando ao seu final. Alex Oliveira, entretanto, contraria toda a lógica do certame, que apontava ao mais otimista tricolor que a derrota era iminente - e com todo o fantasma chamado rebaixamento se aproximando, ou nos levando ao abismo, de volta. Eis o futebol. Ajudado não sabemos por que eventos misteriosos, Alex, que entrara há pouco tempo e jogava, sim, com muita disposição e vontade de vencer, avança pela esquerda, vai trombando em direção ao gol, perde o domínio da bola, o zagueiro tenta cortar, a bola bate em Alex de novo e entra. Um gol absurdo, sobrenatural! Para o delírio dos incrédulos tricolores.

Aquele empate, embora nos mantivesse numa situação bastante difícil, e com jogos complicadíssimos para encarar daí em diante, parecia cair do céu, na circunstância da partida. O Fluminense acorda, quer e precisa vencer. Pressiona. Estamos nos acréscimos. O zagueirão Rodolfo desarma um jogador coritibano e, na raça, empurra o time à frente. Levanta a bola para Romário, que não tem ângulo para o chute. Mas chuta. Outro lance estranhíssimo. O goleiro adversário se atrapalha e põe a bola pra dentro. É o gol da virada, da recuperação, da sobrevida. Gol de raça, de fibra, de alívio, de sorte.

Num momento mágico como esse, impossível não lembrar de grandes e apaixonados tricolores já falecidos: Donga, Mário Lago, Cartola, Nelson Rodrigues. O jogo acaba e não dá para acreditar no placar: Fluminense 3x2 Coritiba. O Fluminense venceu, de virada. Uma vitória inesquecível. Uma catarse. Com uma nítida ajudinha do desconhecido.

A cerveja depois é conseqüência previsível. Foram poucas, e boas. Para depois iniciar uma busca que se revelou inútil. O telefone, como a noite, estava realmente perdido. E não parecia vontade de quem achou devolvê-lo - e a semana provou essa hipótese. Nada me restando, volto feliz para Niterói. Rondo por Icaraí, sem querer ir para casa. Quero o reconhecimento, obtido nos acenos por cada bar por onde passo. Vários botafoguenses me cumprimentam também, e eu retribuo os cumprimentos estabelecendo uma rápida e amigável conversa, e me lembro e narro a eles um fato nunca antes por mim vivenciado no Maracanã: a cada gol do Botafogo anunciado no placar eletrônico do Mário Filho se seguiam aplausos, muito superiores no volume resultante que as poucas e roucas vaias dissonantes.

Quando canso, vou ao banco pegar dinheiro para ir embora. Cruzo com um senhor alegre que cantarola sozinho: "Alvorada, lá no morro/Que beleza!/ Ninguém chora, não há tristeza/ Ninguém sente dissabor..." Ouvir alguém cantando Cartola, após uma vitória tricolor que nem essa?! Eu já posso ir para casa. No trajeto, um outro solitário toca cavaquinho e canta Noel: "Com que roupa?" A camisa cinza tinha mesmo dado sorte: ninguém sente dissabor!

Gustavo Dumas


 
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