Mal acostumado

Sou de uma geração tricolor sofrida, mas muito apaixonada. Presenciei um longo jejum de títulos, sucessivos rebaixamentos e vi pouquíssimas vezes o Flu vencer num Maraca lotado. Hoje, dia 11 de agosto de 2002, pude testemunhar mais uma verdadeira festa, mas dessa vez com um final alegre. E, felizmente, fui ao Estádio Mario Filho somente como torcedor. O jornalista Daniel Cohen ficou nas redações e estúdios. Neste domingo voltei a minha prazerosa origem de arquibancada.

Cheguei duas horas antes da partida e fiquei maravilhado com a quantidade de crianças que havia nos arredores do Maraca. Muitas delas deram um show em pleno gramado antes do jogo começar. E olha que ainda podemos ganhar muitos torcedores mirins neste semestre. O Botafogo faturou muito com a ?geração Túlio?, mas está, atualmente, com uma equipe ridícula. Temos tudo para abocanhar esta fatia carente.

Fico animado ao perceber que o orgulho tricolor está de volta. Parabéns, Fischel !!! Você mostrou que não é apenas um dirigente bombeiro. O seu lado empreendedor me surpreendeu. Faltava a ousadia. E ela veio junto com o maior jogador brasileiro em atividade - o grande Romário. Só ele é capaz de levar mais de 70 mil torcedores de uma só torcida a um jogo de estréia num Campeonato.

O pré-jogo foi lindo, apesar das constantes propagandas políticas, muitas de tricolores como Delei, Bernard e Nelson Rodrigues Filho. O clima era o melhor possível. Muitos tricolores estavam vendo o seu time de coração entrar num Brasileirão como favorito pela primeira vez. Por quê? Por causa do fator Romário. Um verdadeiro ídolo no Laranjal. Muito diferente de Roger, que foi injustamente xingado pela torcida de novo, mas que se tivesse nesta equipe poderíamos ter visto a maior goleada da história do campeonato.

Os vinte e cinco minutos iniciais foram um anti-tesão. O jogo estava arrastado. Nem parecia que o Cruzeiro jogou uma final de campeonato na semana passada. As duas equipes pareciam sentir o calor. E uma de nossas contratações estava claramente fora de forma. O Beto lembrava mais um lutador de sumô do que um jogador de futebol.

A dúvida se eu estava vendo um espetáculo de Ultimate Fighting ou uma partida do velho esporte bretão ficou ainda maior depois da entrada criminosa de Joãozinho - um nome que os rubro-negros conhecem - no nosso Rei Zulu versão moderna. O atleta cruzeirense foi merecidamente expulso pelo Colina made in Brasil. Depois desse lance, tudo mudou. As fraquezas do time Azul - aliás, as duas equipes entraram de short branco e o visual ficou muito melhor assim - começaram a aparecer.

Pouco antes de abrirmos a porteira do adversário, o Murilo quase que libera a nossa depois de mais uma péssima reposição de bola. É básico que goleiro não pode repor a bola no meio, ainda mais se for dentro do campo de defesa. O Murilo, que fez uma boa defesa numa falta (acho que a bola ia pra fora) e uma de mão trocada num bom chute no final, precisa treinar mais este fundamento. O melhor no Brasil neste item é o Hélton.

Bem, vamos logo aos gols. Nosso lateral-esquerdo Marquinhos - finalmente temos um lateral que sabe cruzar - alçou a bola perfeitamente na cabeça de Magnata. Magno Alves, que estava livre porque o Romário é muito mais perigoso, colocou a bola lá dentro. Finalmente saiu o centésimo dele, número contestado por alguns, com a camisa tricolor. A torcida fez a festa e saudou o nosso camisa 8 (pra mim, o número dele tinha que ser 7 ou 9). ?Ah !!! Magno Alves !!!? Ele retribuiu o carinho, acenando pra galera.

Logo depois, Diniz, um leão em campo, deu uma de Romário. Magno Alves, mais uma vez livre, leve e solto, cruzou rasteiro na área e o antigo desagregador colocou a bola no fundo dos barbantes. Uma linda finalização e no estilo do baixinho. O Maraca explodiu. O gosto de goleada pintava no ar. A empolgada torcida, mais uma vez, saudou o autor do gol.

O Flu dominava completamente o jogo. Não jogávamos bem, mas o nosso ataque mostrava ser mortal. No final do primeiro tempo ocorreu o momento esperado por todos. Diniz, numa das várias excelentes jogadas que fez, se livra do lateral-esquerdo Leandro - que não jogou nada - sofre a falta e cai na área. A falta foi clara, mas se foi dentro ou fora da área é difícil dizer. Na hora tive a impressão que foi pênalti, mas muitas TVs e rádios falaram que foi só falta.

O único árbitro paranaense digno de confiança - que também apitou o nosso histórico 6 a 2 no Porco - marcou penalidade máxima. Tal fato, antes, seria motivo de calafrio ao pensar em Roni ou Roger. Mas quem tem Romário não precisa ficar com medo. Ele foi lá e fez. Bola milimetricamente batida no canto direito de Jéferson (goleiro que antes do jogo foi chamado de frangueiro devido aos gols que papou do Papão) - que pulou bem, mas nada pôde fazer.

O primeiro tempo acabava com muita festa. 3 a 0. A galera saudando Romário. ?Ê, ô, ê, ô, o Romário é um terror !!!? Ele parecia um garoto ao fazer sinal para a torcida, mostrando todo o seu carisma. A promessa de um gol dedicado ao saudoso roupeiro Ximbica foi cumprida. Porém, algo especial ainda estava por vir.

Os jogadores do Flu demoraram cerca de vinte minutos para voltar do intervalo. No entanto, o longo descanso não atrapalhou em nada. O segundo tempo começou e o time mostrava que não iria segurar o resultado. Parecia que jogávamos contra um Olaria. Faltava ainda o gol do outro estreante. E ele veio.

Beto deu um chute bisonho de fora da área. A bola foi pererecando e por sorte entrou. Sorte de um jogador vencedor, que tem uma garra contagiante. Todavia, por excesso de vontade, ele tomou dois cartões em faltas bobas, uma em cada tempo, sendo justamente expulso. Com dez contra dez, a goleada histórica que se desenhava ficou difícil de acontecer.

O Cruzeiro cresceu no jogo, mas não chegava com muito perigo, apesar do César, às vezes, colaborar. Com César em campo é raro terminarmos um jogo totalmente em branco. E a sina se profetizou. Numa falha de Fabinho, que como sempre tomou um cartão amarelo desnecessário, a bola sobrou num contra-ataque para o Cruzeiro. Fábio Junior, jogador que a Roma acreditou ser o clone de Ronaldo, mas que está mais para um Agnight melhorado, só teve o trabalho de empurrar a bola para o gol.

Eles fizeram o gol de honra aos 44 do segundo tempo e naquele momento, como em quase todo o segundo tempo, a torcida estava calada. É um fenômeno que acontece quando não estão apenas os 20 mil torcedores de sempre. Espero que até o final do Campeonato, os ?torcedores profissionais? (detalhe: eles recebem ingressos de graça e só por isso já teriam a obrigação de gritar o tempo todo) ensinem ao resto a não parar de torcer em nenhum minuto.

Ficou para o final, quando muitos já tinham deixado o Maraca, o melhor. Romário estava tentando fazer um gol em alguma bola que sobrasse, mas caprichosamente as oportunidades não surgiam. Numa das raras chances que ele teve, num drible seco e um chutaço, o goleiro deles fez uma excelente defesa, mostrando não ser tão frangueiro assim.

Se a bola demorava a vir até o baixinho, até porque o meio-campo era muito pegador, mas pouco armador, a alternativa foi ele vir para o meio. Com dois belos toques de primeira, ele criou uma jogada brilhante. O desfecho foi sensacional. Romário fez o gol com aquele toquinho clássico. A bola entrou devagarzinho, ele pulou as placas de publicidade, comemorou com a galera, o juiz encerrou a partida e todos os repórteres foram até a estrela, que já é o artilheiro do Brasileiro, mesmo estando longe de seu melhor preparo físico.

Final de jogo. 5 a 1 Fluzão !!! Um verdadeiro chocolate. Até o treinador deles - o tricolor Marco Aurélio, que se despediu do clube mineiro hoje - não deve ter ficado triste ao ver o verdadeiro Fluminense de volta. Foi uma goleada histórica num grande adversário que, por incompetência, chegamos a ficar quase quatro anos sem enfrentar em tristes momentos (duros de ser lembrados) do final da década de 90.

Estréia igual, eu nunca vi. Não jogamos tão bem, mas fizemos uma chuva de gols, o que vale no futebol. O Tricolor, que antes massacrava a sua fiel torcida, voltou a dar massacres. O Mais Amado do Brasil, mais uma vez, dá uma lição. O futebol e a vida são cíclicos. E uma grande humilhação pode suceder uma inesquecível glória. Esta torcida merece colher muitas alegrias.

O pensamento agora é no São Caetano de Mario Sergio, que enfrentaremos lá dentro. O último confronto no Anacleto é de triste lembrança. Chegou a hora da vingança. Criamos este monstro e temos que exterminá-lo de vez. Vamos sem o Beto, mas estou sentindo que nossa primeira vitória contra o Azulão está próxima. É só manter a mesma determinação.

Para finalizar, faço um desejo para meados de dezembro. Que os tricolores mal acostumados terminem o Campeonato com o retorno do hábito de ver mais um grande título, que seria o melhor brinde para o ano do centenário.

Daniel Cohen - daniel.cohen@sempreflu.com - daniel.cohen@sempreflu.com